quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lancelot e Guinevere...



                                     BEATRIZ



Beatriz esperou Fred chegar até a uma e trinta da manhã.
Checou se o telefone tinha linha pelo menos mil vezes.
Tentou adivinhar o ruído do motor do carro entre as centenas de veículos que circulavam pela rua General Osório.
O transito foi minguando. Sexta-feira, 18 de Dezembro já havia acabado. Outro sábado começara há pouco e Fred não chegou.
Ele tinha ligado de tarde, lá pelas seis avisando que já chegava, vindo do Rio, onde morava.
Beatriz esperou, a TV ligada no programa de entrevistas que sempre assistiam quando estavam juntos.O apresentador muito gordo e muito esperto sempre era mais atraente que seus convidados.
Mais uma vez ligou para o celular. Fora da área de cobertura ou desligado.
Como estender a mão e desligar o interruptor de um namoro de nove meses? Como apertar o gatilho e acabar com essa gestação, essa dor de esperar? De ver Fred levando o celular até para o banheiro? De ter a plena certeza da existência de outra mulher?
Regina.
O nome dela era Regina. Até isto Beatriz já sabia.
Sabia também o número do telefone, pois apesar de Fred tentar manter o celular afastado, sempre há um momento, uma chance, uma centelha em que uma mulher consegue obter aquela informação vital, o telefone da Outra.
Quem seria a Outra afinal? Beatriz ou Regina? Quem era matriz, quem era filial?
Ligar para aquele numero de telefone, daqui mesmo de Petrópolis, era terminar o namoro. Abrir mão.
E se estivesse enganada?
Beatriz sabia que não estava, que não adiantava mais tentar esconder de si mesma, Regina existia e Fred estava lá.
Ter outra mulher na mesma cidade em que ela morava! Que coisa doida, porque não arrumava uma no Rio? Será que ele tinha uma terceira no Rio?
Ah, Deus, assim Bia ia entrando numa paranóia sem fim...
 Bia e Fred se conheceram na internet, num site de namoro. Engraçado, os apelidos de cada um eram perfeitos, ele Lancelot, ela Guinevere, destino.
Só podia ser destino.
Tinham muitas coisas em comum, trocaram e-mails que aos poucos foram deixando de ser apenas informativos, mostraram seus rostos em fotos escolhidas, mostraram seus gostos por poesia, banho de chuva, bicicletas, tudo combinava.
Lancelot e Guinevere.
 Beatriz finalmente encontrara seu cavaleiro de armadura brilhante
Brincavam com metáforas, e mesmo antes de sequer ter ouvido a voz de Fred ao telefone, Bia já estava apaixonada.
Logo cedo ligava o computador, a espera da mensagem do dia.
Finalmente trocaram telefones, e até da voz dele Bia gostou, voz de menino, de namorado dos tempos do colégio, marcaram de se conhecer.
Bia já havia perdido qualquer sombra de cautela, e o encontro seria ali mesmo no apartamento pequeno e funcional.
Fred não era nenhum estranho.
Lancelot chegou, meio tímido, sentando na beirada do sofá. Os dois meio sem graça, ambos gostando do que finalmente viam, porém ainda sem a intimidade que pensavam ter.
Ele pediu um abraço.
O braço forte de Fred por trás de sua cintura, os corpos muito juntos, o beijo foi perfeito, a queda no abismo profundo, um mergulho em águas transparentes, Lancelot Guinevere, Fred e Bia.
Perfeição.
Fizeram amor no sofá, depois riram, brincaram, conversaram como velhos amigos, não foi encontro, foi reencontro.
Fred brincou “– Com você, eu corro o risco de me apaixonar...” Bia já não se possuía mais, não havia riscos, a paixão já estava nela, tempo perdido tentar questionar.
O namoro começou ali, se falavam quase todos os dias, os e-mails perderam a razão de existir.
Bia escutava Fred com muita atenção, encantada por sua vivência. Apesar da pouca diferença de idade, ele tinha vivido tão mais do que ela. Fred já tinha sido de tudo um pouco na vida, meio nômade, meio agricultor, viveu na cidade e no campo, sozinho ou acompanhado, experimentou muitas coisas e pôde escolher o que de melhor. Já meditara na floresta por quase um ano, monástico, a barba crescida, afastado do convívio humano em busca do autoconhecimento,  de uma filosofia holística. Soubera das origens do mundo, recebera informações interplanetárias, mas nada disso o transformara num fanático, não... Tinha um jeito de moleque,  e o sorriso  fazia franzir os olhos cor de mel esverdeado, e também o modo ora selvagem ora carinhoso de fazer amor.
Amor de bicho, romance em francês.
Perfeição.
Fred era tudo o que Bia sonhara.
Ela jamais tinha dormido num sleeping bag, não acampara nem na sala da casa dos pais, nunca tinha viajado de carona, namorara um pouco, mas ninguém como Fred, e esse homem tão fantástico dizia que depois de tanta estrada finalmente encontrara a mulher de sua vida.
Bia era ciumenta, afinal, como se crer merecedora desse tesouro? Mas Fred a acalmava, deixava claro que depois de ter caminhado desertos, não precisava de mais ninguém para ser feliz.
Como não acreditar?
Os meses passaram, a paixão não.
Porém os indícios da existência velada de Regina foram se tornando cada vez mais óbvios, até que a descoberta do número do telefone cimentou a dor no coração de Bia.
Foi preciso uma garrafa de vinho branco para criar coragem e ligar.
Uma e trinta da manhã, a voz alegre e desperta da mulher ao atender ao telefone foi mudando de tom quando soube que a ligação era para Fred. Talvez no susto, Regina foi chamar o companheiro para atender ao telefone, ao fundo a mesma musica de encerramento do programa de entrevistas tocada pela banda que acompanhava o gorducho apresentador. Alguns minutos depois, Regina retornou dizendo que não havia Fred algum naquela casa, era engano com certeza.
Bia então calmamente informou quem era, e há quanto tempo sabia sobre Regina, e há quanto tempo convivia com Fred e de que espécie era o relacionamento dos dois. Ficou pasma, porém ao saber que Regina o conhecera antes dela, também pela internet. Ele Lancelot, ela, Regina,  Morgana, nada mais perfeito do que esta coincidência. Coisa do destino.               
Regina botou Fred porta a fora do apartamento.
Bia botou Fred porta fora do seu coração.
Ás cinco da manhã de um sábado chuvoso a campainha de Bia tocou, e um Fred furioso tentou argumentar que tudo aquilo era uma grande loucura.  Ele nunca estivera com Regina, que não passava de uma amiga, mas que maldosamente tentara envenenar Bia contra ele.
O vinho e o valium tornaram Bia extremamente calma.
Calma o suficiente para sem sequer se levantar do sofá indicar que a mesma porta por onde Fred entrara deveria ser o caminho para que ele saísse de sua vida.
A vida iria continuar, mas no momento tudo o que Bia sentia era estar caindo de muito alto, e pelo caminho da queda ia vendo em forma de quadros os momentos vividos com seu Lancelot, e as histórias que ele lhe contara.
Escutava o zumbido das abelhas que ele criou um dia, caindo mais e mais fundo, acompanhada por seus sonhos que decompunham em cacos coloridos. Nem Guinevere, nem Bia, agora era Alice na toca do Coelho, e adormeceu.





 obs 1- esse conto faz parte do ebook "Petropolitanas" que pode ser adquirido pela amazon.com.br

obs 2- essa imagem pertence ao site http://artpassions.wordpress.com/

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